-De minha parte, pela primeira vez, enxergava a paisagem de Pedro Leopoldo.
Era bem um vale úmido a vila modesta que pisávamos.
Uma cachoeira de águas claras parecia cantar no terreno recentemente desbravado, e as linhas da via férrea se me figuravam antenas horizontais do progresso que penetrava pelo verde adentro.
O ribeiro separava o povoado em duas regiões distintas. Do lado norte, de que vínhamos, estava a indústria nascente dos tecidos de algodão, e, para cá do ribeiro, no lado sul, o casario escasso parecia um conjunto de grandes pombais caiados de branco.
A oeste, o sol entrava no poente.
Entrei, com Benfeitores Amigos, numa rua que se abria, como até hoje, à frente da igreja, singela mas já construída em louvor da Mãe de Jesus.
Estacamos à porta de entrada da casa que seria o meu lar. Aguardamos alguns minutos de expectação, quando jovem senhora, em companhia de outras, se destacou para entrar na residência humilde.
Era morena, de baixa estatura, vestindo roupa simples e de sorriso amigo, evidenciando resignação e simplicidade. Os cabelos trançados se lhe enrodilhavam de modo gracioso na cabeça. Despediu-se das companheiras que seguiram à frente e passou por nós sem ver-nos.
Um dos Benfeitores explicou:
— Esta é a nossa irmã tutelada de João de Deus. Em várias existências, brilhou na cultura do mundo e, por várias vezes,
se consagrou à religião em casas de fé.
No entanto, em fins do século passado, pediu a maternidade por tarefa primordial, rogando ambiente de extrema carência material, para burilar-se na própria alma.
Tem agora a idade de vinte e seis anos na experiência física, um marido operário, junto de quem é humilde tecelona numa fábrica de tecidos, e já foi mãe de oito filhos, tendo perdido uma filhinha desencarnada em idade tenra e mantendo ainda sete que estão em crescimento.
Chico continuou:
— Uma simpatia profunda me ligou imediatamente àquela mulher humilde e tranqüila.
Parecia-me rever em roupagem diferente uma irmã querida de quem me afastara sem precisar por quanto tempo. Incapaz de explicar a emoção que me dominava, caí em pranto em que a dor se misturava com a alegria, pois reencontrava uma criatura afetuosa e amiga.
Lembro-me de que não me pude conter e caminhei para ela, envolvendo-a num grande abraço. A senhora sentiu profunda comoção e começou também a chorar, ignorando como explicar a si própria o motivo de tantas lágrimas.
Decorridos instantes, entrou o marido, um homem claro, magro e alto, usando colete antigo sob o paletó comum e, após retirar um boné que trazia na cabeça pintalgada de algodão, perguntou:
— Maria, o que houve, porque chora?
— João – respondeu ela – eu mesma não sei. Estou assim como quem se recorda de alguém que a gente ama e que a morte não mais nos deixa ver...
— Você andou lendo algum romance, falou aquele que iria ser meu pai.
— Não, nada li... É apenas um estado estranho em que entrei...
O dono da casa buscou o interior da moradia, de onde vinham vozes e gritos de crianças, e Maria de João de Deus sentou-se e orou, ali mesmo, na sala estreita, pedindo a Jesus a paz de quem ali estivesse, na condição de alma em saudade e sofrimento.
Penetrei nos recantos da casa, na qual deveria em breve habitar.
A pobreza e a simplicidade de tudo faziam-me chorar.
Retornamos à Vida Espiritual e, pouco tempo mais tarde, voltei para que me ligasse a Maria de João de Deus em definitivo.
Foi em 1910, quando tive a obrigação de obedecer a severas disciplinas, para que tudo ocorresse segundo a Vida Maior e não conforme os meus ideais, egoísticos talvez, de felicidade e de amor.
INES DE CASTRO
(Do livro "Mensagens de Inês de Castro", capitulo: Isabel de Aragão, Chico Xavier e os idos de 1910, psicografia de Francisco Candido Xavier e organização de Caio Ramacciotti)
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